Inumeráveis são as regras que devemos seguir por toda a vida. Do primeiro choro ao último suspiro, a vida em sociedade nos impinge preceituários mil, seja em nome da boa convivência e da civilidade, seja por motivos vis, seja com boas intenções ou simplesmente “porque assim tem de ser e pronto“.
Suspeito que a epifania que experimento na cozinha tenha um quê de subversão de algumas regras, de abrir espaço para o improviso, de repentinamente modificar toda a receita, de testes e investigações, de tentar descobrir os porquês, de produzir acalanto com aqueles dois ou três ingredientes perdidos na geladeira. Chego a arriscar que um coração Dadivoso exige certa dose de teimosia (pois a intrepidez nos leva adiante) e outra de indocilidade (para que haja criação e novidade no mundo).
Na maior parte das vezes – e essas são as mais recompensadoras, mesmo quando a comida não vinga – minha diversão é justamente a surpresa do resultado, a concretização de uma idéia qualquer, a materialização de uma combinação de sabores que estava a me sussurrar o dia inteiro.
Poucos são os dias em que sigo uma receita de pé à ponta e essa constatação não me traz rubor à face. Faz parte de minha natureza uma pitada de rebeldia, uma contestação saudável, uma busca por esclarecimento e experiências práticas.
Mais raras ainda são as receitas de revista que efetivamente tenho ganas de fazer com fidelidade. Guardo-as todas, elas me inspiram e auxiliam, mas não posso dizer que delas sou digna, pois vivo a mudar uma coisa aqui e ali (às vezes conscientemente, às vezes não!).
Um prato, no entanto, parece ter amenizado minha insubordinação crônica. Trata-se do Risoto de Arroz Preto, Catupiry e Manteiga de Garrafa que o premiado Alex Atala andou a publicar recentemente. Embora não seja muito fã desse creme untuoso tão brasileiro, a pretosidade desse arroz encantou-me a ponto de transformar-me na mais resignada das criaturas, disposta a seguir as orientações de fio a pavio sem questionar, como uma menina atenta e obediente.
Ao Leitor e à Leitora relatarei a feita em breve.
dadi agora descubro + um motivo para ter afinidades com vc: tb sou rebelde e mudo quase sempre as receitas! isso já virou gozação em casa principalmente quando chego do trabalho e ainda tenho de inventar uma jantinha!!!!! rsrsrs..se opto por fazer uma macarrão, meu filho já fala : ” melhor comer esse molho pois NUNCA mais ele irá aparecer aqui na mesa”….vamos dizer que somos umas rebeldes com causa: ser inventivas e independentes!! beijos e conta depois como ficou esse risotto
Dadi, eu sempre procuro seguir à risca as receitas que pego nos blogs, nos livros, nas revistas e até nos versos das embalagens. Às vezes, mudo algum ingrediente – aí vem a minha ponta de rebeldia, porque tenho certas frescuras, como não gostar de vááááárias coisas ou pq não tenho algum item em casa e invoco que quero fazer aquela determinada receita naquele determinado dia… entende, né? 🙂
Dadi, eu sou o contrário, procuro seguir tudo à risca, pelo menos a primeira vez que faço, pois quero ter a experiência original da receita. Na segunda vez já posso me arriscar, mas é raro, pois muitas vezes a rebeldia não compensa pra mim. Minha rebeldia fica por conta de outras coisas na minha vida, na cozinha sou uma CDF, rs. Beijocas!!!
Querida Fê, estou ha dias ruminando e ponderando para escrever sobre uma coisa parecida, que tem muito a ver com a insubordinacao e de como ela nos faz criativos e ousados. Assino em baixo o que voce escreveu. Eu raramente me dobro, ou abaixo a cabeca pra uma receita. So faco quando vale realmente a pena, e essa receita do Atala deve valer o sacrificio das redeas culinarias. Vou ficar no aguardo…:-)
bjao!
Marta, Sr. Dadivoso também já chegou a comentar sobre pratos que nunca mais se repetem 🙂
Silvia, ô se entendo!
Luna, adorei essa de CDF culinário! Acho que a gente precisa mesmo é de calibrar bem as coisas, né? Não importa onde estejan a insubordinação e a obediência 😀
Fer, escreva, por favor! Eu estava com pressa, não desenvolvi muito o assunto, mas ele pede um repeteco. E catupiry nem é meu ingrediente do coração, mas esse arroz pretim tá me piscando há dias!
;***
Eu também sou desse time. Não faço nenhuma receita ao pé da letra. Sempre mudo algo. Esses dias resolvi acrescentar num molho nóz moscada. Fiz, ficou bom…Algumas horas depois, minha namorada me diz que não era nóz moscada, e sim, curry…Malditos potinhos de tempero sem nome…
Kakakakaka, vc foi mais ligeira! Nós duas compramos (o mesmo arroz, inclusive) para fazer o mesmo prato, da mesma revista… kakakakakaka
Tô louca pra saber o resultado mas ainda não me atrevi a fazê-lo pq o marido está novamente de dieta 🙁
Bjuca!
A personalidade culinária é difícil de ser domada…
Olá querida leitura,
você tocou em um ponto super legal, a definição de vida, do primeiro choro ao último suspiro. e me “insighta” a definição de paixão, do primeiro suspiro ao último choro. ainda tenho de conseguir fazer um haicai com isso.
minha namorada também só cozinha assim, seguinventando uma receita.
Se você não fosse intrépida e indócil, não seria “a” Dadivosa. Que os Deuses a preservem assim.
Belo texto.
Abraços.