O Primeiro Cozinhado e a Fase Rosa

No dia 17 de julho, quis saber com quantos anos os amigos leitores dadivosos e amigas leitoras prendadas iniciaram suas aventuras culinárias.

Eis a parcial da época:
Carol Grilo perguntou se valia dizer que foi aos 27.
Fer Guimarães Rosa começou a inventar moda por conta própria, aos 8.
Julio começou com brigadeiro, mas considera que a verdadeira iniciação ocorreu aos 22, quando foi morar longe de mainha.
Renata começou pelos brigadeiros
Nanna também começou aos 8 anos, ao testar uma lenda urbana de que toddynhos viravam brigadeiros ao serem fervidos com margarina.

Confesso que fiquei impressionada com o poder ativador de dadivosos que existe num simples brigadeiro. Um tempo depois, em pesquisas informais, pude constatar que muita gente tem no docinho de leite condensado a sua primeira experiência na cozinha.

Pois eu comecei como a Fer, por conta própria, inventando uma coisa aqui e outra ali. Meus primeiros cadernos de receita datam da segunda série do primário, época em que eu vivia copiando os livrinhos da vó Nair.

Mas a primeira lembrança de um prato de verdade, que outras pessoas comeram (e gostaram!) foi uma carne assada de panela e um macarrão que fiz pro almoço quando tinha 11 anos. Fiz tudo sozinha, sob a supervisão, muito a contragosto, da Rosa.

Rosa mantinha seus cabelos grisalhos bem compridos, abaixo da cintura redonda, sempre presos num coque de muitas voltas. Todo dia, entre 12h e 14h realizava seu duplo ritual, que consistia no seguinte:

  1. Ao levar a comida para a mesa, quando todos estávamos sentados, ela invariavelmente soltava essa:
    “Ai, coitado do Erasmo! O que será que ele vai comer?”
    Detalhe: Erasmo era o marido aguardenteiro e pouco afeito ao trabalho que vivia sumido no mundo, a quem ela via de vez em nunca e aparentemente não estava muito interessado em voltar pra casa.
  2. Depois de tirar o apetite de todos com histórias sobre como Erasmo, o coitado, passava fome pelo mundo afora, e de almoçar com muito gosto e voracidade, Rosa ia tirar um cochilo na sala. Só nessa hora lembro dela sorrindo. Ajeitava uma almofada estrategicamente localizada no braço do sofá, virava-se para a parede, punha a mão sobre os olhos e ali ficava, roncando, até umas duas da tarde. Só então ia recolher a mesa e lavar a louça.

Esses e outros pequenos inconvenientes eram diariamente perdoados quando engolíamos os primeiros bocados de abóbora ensopadinha, feijão, bife acebolado ou à milanesa, bolinho de espinafre, galinha caipira… a Rosa tinha trabalhado em restaurante, é preciso dizer. Restaurante de interior, mezzo churrascaria – mezzo pêéfe. Comida simples, de fogão a lenha, saborosa e cheia de história.

Até hoje mantemos a tradição do Erasmo. Funciona assim: precisa ter pelo menos dois dos irmãos, mãe e babbo e, quando dá, o tio Ricardo (que morou lá em casa na Fase Rosa). Aquele que estiver mais espirituoso no dia lança um “Ai, coitado do Erasmo!” quando lembra de algum ente querido que, por algum motivo, não está presente à mesa. A isso seguem-se muitas risadas e exclamações do tipo “ooh, coitado!”.

Eu mesma sou o Erasmo inúmeras vezes, mas consigo proferir a frase mágica um ou dois dias por ano, quando estou por lá sem o marido, ou quando um dos irmãos não consegue estar junto da gente na hora da refeição.



17 comentários em “O Primeiro Cozinhado e a Fase Rosa

  1. Patricia

    Amei o post!!!
    Consegui imaginar a velhinha roncando no sofá da sala (minha avó materna fazia isso e quando mudávamos a TV de canal ela acordava, desgramada!)

    Ri muito aqui, Dadivosa.

    Olha, sou cara-de-pau e vou te dizer pra me colocar na sua estatística: comecei aos 11, estreando com um bolo de fubá (que é o favorito de papito e eu não ia ser besta de perder a chance de fazer um carinho para ele).
    Graças a Deus deu tudo certo, não tive a inspeção de ninguém, pois papai e a mulher dele trabalhavam e nós ficávamos com uma empregada que tinha como tema “ema, ema, ema…”

    Um beijo!

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  2. Dadivosa

    Patrícia, você é muito chique, começando com bolinhos de fubá! A Rosa também era da linha ema ema ema, mas naquele dia, não sei por que cargas d´água ela tinha de ficar na cozinha. Vou te falar que ela me olhava com o rabo do olho, quase que agourando! hahaha

    Renata, querida, o Rodrigo foi o Erasmo da nossa festinha hahhaa

    Fer, tivemos vááárias figuraças assim, foram tantas que preciso contar aos pouquinhos!

    ;***

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  3. Dadivosa

    Yuli, imperdoável não se lembrar da Rosa tsc tsc tsc!
    Ainda preciso contar da Margarida, da Maria Arlete, da Têxa, da Zula, da Sônia, daquela que lavava a louça tomando vinho que não me lembro mais o nome…

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  4. Eliana Scaramal

    Que delícia de poste, eu ri muito. Você tem um jeito ótimo de escrever.
    Eu comecei ainda menina, sempre que ia pra fazenda do meu avô ficava olhando minha avó cozinhar no fogão a lenha, o primeiro bolo foi um de cenoura, que agora faço em companhia do meu filhote.

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  5. Dadivosa

    Eliana, eu não me lembro qual foi meu primeiro bolo, mas deve ter sido de cenoura, de formiguinha ou de nega-maluca.
    A mãe teve fogão a lenha na área de serviço de casa um tempão! A comida fica com outro gosto mesmo, incomparável!
    ;***

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  6. Akemi

    Também morri de rir com a estória da Rosa !
    Fiquei curiosa de saber sobre esta que bebia vinho! Quantos tipos, hein!

    Para a sua pesquisa, acho que entrei na cozinha para cozinhar comida mesmo lá pelos 12 anos. E fazer tudo mesmo, arroz, feijão, mistura… minha avó ficou adoentada e tive que encarar as panelas. Mas antes disso, só ficava como assistente de lavar louça. Queimei muito alho, estraguei algumas panelas, copiei muitas receitas, fiz minha família de cobaia muitas vezes. Mas apesar de tudo, passei a gostar de cozinhar!

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  7. Faby

    Vamos lá… Eu cresci numa família de cozinheiras. Minha mãe incluisve tem essa profissão e por isso o contato com o fogão aconteceu desde sempre.
    Muito pequena, pequena MESMO a gente já ajudava a fazer gnocchi, pão… minha tia complementava a renda da família fazendo salgados e bolos para festas, além disso ela fazia balas de côco e eu lembro de madrugadas inteiras embalando balas… isso com 7, 8 anos. Agora, pratos, efeições completas eu faço desde os 10, 11 anos… Aos 11 inclusive eu fazia almoço praticamente a semana toda enquanto todo mundo em casa trabalhava e eu cuidava dos primos menores. Uma outra tia tb foi dona de restaurantes a vida toda e aos finais de semana e nas férias eu trabalhava lá com ela, cozinha de restaurante, panelas maiores do que eu…rsrsrsrs…afff amo muito tudo isso.

    Beijuca

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  8. luiz

    Me senti excluido desta pesquisa, grumpf! Comecei aos 13, com um pão de minuto copiado do jornal, a receita estava errada e faltava fermento, viraram seixos rolados. Eu que nem o Cauby, chorei, chorei e amaldiçoei os deuses, meus santos pais comeram uma pedra de farinha cada um, com prejuízo incalculável para os dentes, mas economizaram em psicanálise. Aos 23 fiz curso no Senac, de 6 meses. Hoje só bebo! hehehe.

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  9. karen

    Acho que a primeira coisa que fiz foi um biscoito duro como pedra aos 8 anos, apesar de bem ruinzinho, eu e meu pai comemos tudo! Cozinhar algo decente, de que todos gostassem, levou muuuuuito mais tempo. Na verdade, acho que é bem recente… 🙂

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  10. Raul

    Demorei pra responder… Acho que não me lembrava. Aí , as memórias que me vieram foram quando menino e depois adolescente, perguntar pra minha mãe, como se fazia isso ou aquilo. Faço isso até hoje! Depois, aos dezoito, fui morar sozinho e aprendi na marra e curiosidade.

    Bjs,
    R.

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  11. Dadivosa

    Estou adorando saber como todos vocês libertaram suas Dadivosas! Fiquem à vontade para contar aqui, pois a pesquisa é aberta, viu, Luiz? Sinta-se excluído de nada não!
    E ser Dadivosa(a) não é são uma questão de comida e de cozinhar 🙂
    Beijos a todos

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