Corei e sorri apertando os olhos quando ele me comparou à crème pâtissière cheia de pintinhas de baunilha que recheava um sonho parecido com esse da foto. Detalhes como país, idioma, autor e época da vida são irrelevantes para Leitor e Leitora, pois o que me arrebatou agora não foi a lista de similitudes sensoriais que se pode identificar numa comparação dessas.
O que me tirou o chão enquanto comia um sonho com café preto de manhã, sorria e corava e apertava os olhos ao lembrar do galanteio foi uma terrível constatação: se tenho tantas pintas e sardas na pele branca quanto essa crème pâtissière, se pareço ser salpicada de pontinhos pretos, então minhas fomes tem muito mais esconderijos do que eu imaginava. Elas não vivem só naquele cortiço em formato de coração entre o umbigo e o manúbrio. Elas estão pelo corpo inteiro!
Percebi que Dadivosa, que já esteve de castigo no cortiço, tem usado todos os tipos de fomes para me mandar recados. Descobri ser ela a líder da vez no comando de uma rede descentralizada muito eficiente (embora às vezes devastadora) de pequenos agentes. Há dias vem usando como mensageiros mudos a inapetência, a insônia, a falta de noção espacial (consegui cair enquanto estava parada, estatelando os dois joelhos no concreto), apela recusando-se a cozinhar qualquer coisa que não aquele macarrão com manteiga e parmesão e agora essa: enviou a fome-reminiscência que me deu esse estalo.
Minha cara nesse instante (fiz questão de checar no espelho, na exatidão que a gravidade do assunto exige) tem olhos de terror, sobrancelhas de preocupação e uma mordida no lado esquerdo do lábio inferior. Assusta-me saber que essas pintas todas podem abrigar fomes que desconheço, sentimentos não identificados e portanto perigosos em potencial. Preocupa-me saber que muito provavelmente venho lidando mal com essas fomes e devo ter feito alguma besteira. Mordo o lábio concentrada na determinação não de repassar todos os microacontecimentos dos últimos dias, mas de buscar as condições de tempo-espaço-temperatura-pressão para que a mistura de leite, gemas, açúcar, farinha, manteiga e fava de baunilha não desande nem vire outra coisa, para que resulte doce, sedosa, perfumada, agradável, gostosa, descomplicada e feliz como tem de ser… para mim e para quem a provar.
Dadivosa, eu adoro o seu blog (?), adoro as receitas, o modo como vc escreve, a sua simplicidade, pq, convenhamos, tem uns blogs de culinárias cujas receitas são até convidativas, mas a pessoa que escreve é tão chata!! tão metida!! vc não, escreve primorosamente, com uma simplicidade que poucos possuem!! parabéns, e , não deixe de escrever, de compartilhar suas receitas!
Anita, obrigada!
eus Deus isso deve ser maravilhoso!!!
Fê, amo seus textos. Mas acho que já disse isso. O que talvez não tenha dito é que eles me pegam de tal forma que não sei comentá-los; precisaria de uma leve e descansada digestão para só então poder, de fato, comentá-los. Na ausência de tal tempo, fica o elogio. ;*
Dadivosa,
e se eu te disser que há tempos (desde que li esse texto, desde que vi essa foto) ando em busca desse sonho de creme?
ainda em busca…
Lara, é da Casa Santa Luzia 🙂