Não sei dizer se era um costume de priscas eras, uma habitude da colônia alemã, uma coisa de gente simples ou a mistura de tudo isso. O fato é que na família da vó há registro de diversos casos de irmãos de criação. Geralmente um primo ou prima (distante ou não) que morava junto, crescia junto e tinha status de irmão de sangue.
A tia Lair era nossa tia-avó de criação. Ela e a vó Nair acabaram morando na mesma rua, a poucos passos de distância, bastando atravessar a rua para levar uma xícara de açúcar, um recado, um bolinho de chuva.
A casa da tia Lair, grande por fora, escura por dentro, de estilo enxaimel e decoração espartana, era um mundo à parte. O terreno, confesso, nunca cheguei a conhecer inteiro. Tinha um galpão-oficina do tamanho da casa, tinha horta, tinha vários pés de goiaba, limão, carambola, nêspera (que a gente chamava de ameixa amarela), pitanga, mixirica e outras que não chegava muito perto, pois eram guardadas por um cachorrão do qual só conhecia o latido, tamanho o medo que o tio Willy colocava na gente. Mas o medo do cachorro, sozinho, não era motivo pra eu preferir o interior da casa.
O que atraía os sobrinhos-netos para a casa da tia Lair era o cheirinho dos bolos que ela fazia para vender. Bolos de casamento, de bodas de prata, bodas de ouro, aniversário chiques, festas de quinze anos. Todos decorados com delicadas filigranas, rendas e bordaduras de glacê.
O glacê era sempre o mesmo: uma mistura de claras com calda em ponto de fio, aromatizada com limão, que depois de um tempo endurecia formando lindos suspiros. O máximo que a tia Lair se permitia incluir na decoração eram aqueles confeitinhos prateados em forma de bolinha, ou toques de anilina para colorir pétalas, folhas, arabescos e bordas rendilhadas.
Como falei, éramos atraídos pelo cheiro do bolo recém-saído do forno. Sabíamos que junto com o bolo vinha o glacê. E essa era a melhor parte. Podíamos chegar a qualquer hora do dia ou da noite, que a tia Lair sempre tinha glacê em casa, dentro do saco de confeitar, pronto para produzir os desenhos mais doces e lindos.
Sabendo disso, chegávamos já com a mãozinha estendida para receber as boas-vindas da tia Lair. E numa fração de segundos, sem que a gente precisasse dizer nada, ela depositava duas ou três pitanguinhas de glacê, bem no meio da palma da mão, perfeitas e branquinhas. Depois de lambermos as frutinhas de suspiro com os olhinhos fechados ela fazia outros desenhos, como flores e minhoquinhas, mas as pitangas eram como uma assinatura, uma senha para entrarmos naquele mundo doce que ela construiu.
Dadivosa, você num momento bem saudosista, né?!?! É tão gostoso…também tenho lembranças assim que de tão deliciosas até doem no coração…o quintal da minha avó com todas aquelas árvores (cada uma tinha um neto-dono) e as goiabas crescendo dentro de saquinhos de filó, as romãs, carambolas….o pirão da outra vó as festinhas pra homenagear São Cosme e Damião e até o jejum em datas religiosas especiais….você me fez lembrar de tudo isso lendo sobre sua tia-avó…e me transportou também pra sua história… pro quintal, pra sua mão de criança estendida aguardando o suspiro… ai, recordar é viver! Um viva às doces lembranças de infância!
ps.: Sabe que um dos motivos que me motivam a ir ao encontro das Rainhas é seu nominho na lista?!?! Fanzoca mesmo.r.s..rs..
afffffffeeeeeeee…..motivos que motivam foi de pura emoçao!..r..rs…foi malz..rs..
Neile, assim você me deixa encabulada 😉
Que sorte ter uma tia doceira! Que boas lembrancas! As pitangas eram de suspiro? Bom, pitanga eh a fruta da minha infancia, que eu adorava e que me faz lembrar dos meus tempos de peraltices. Nunca mais comi essa fruta, olha que tristeza.. Uma vez, ha muitos anos, ainda no Brasil, uma amiga me trouxe um saco delas. Eu nao dividi nem com o meu filho. Me escondi num canto e devorei tudo sozinha! 🙂
BeijaOO! 🙂 [ainda estou acordando…]
Sim, Fer, eram daquele glacê maravilhoso. Eu comia pitangas arrancadas direto do pé. Às vezes a gente pegava um copo, tacava açucar e esmagava as frutinhas com a colher, fazendo assim uma espécie de gororobinha. Momento de nostalgia total, estou até sentindo o cheiro da pitangueira!
Beijo e bom dia procê ;***
Dadi, esse glacê faz muito sucesso lá com a família… 😀
Eu chamo de marshmallow e não uso o limão, mas o resto é igual, claras em neve, calda em fio aos poucos, bater até a mistura esfriar.
Depois jogo aquela caldinha maravilhosa de chocolate (alguns fios) e mesclo com o garfo, fica lindo!
Adorei o post, bonito e gostoso de ler!!
Patrícia, quem sabe você não institui também a tradição de fazer as pitanguinhas nas mãos, hein? Talento e amor eu sei que você tem de sobra ;***
Que delícia de lembrança DAdi. Me fez voltar muitos anos da minha vida quando todas as minhas tias-avós ficavam fazendo os docinhos e bolos de aniversário meu e dos meus irmãos.
Beijos
Daniela, tenho várias histórias da tia Lair… ela era muito prendada mesmo. Ai, essas sessões de enrolar docinhos tinham gosto de expectativa, né?
Beijo grande
Ai, Dadi… Fiquei emocionada… Adoro seu jeitinho de escrever! Conta mais histórias de infância pra gente!
Bj
Elen, muito obriigada pelas palavras carinhosas. Seja bem-vinda! Quanto às histórias de infância, fique atenta que elas sempre me escapam e vêm parar aqui 🙂
beijos
que historinha doce!!
beijos!
Dadi, não sei se a música de fundo..mas tua história encheu meus olhos de a’gua. saudadades da tia Nair, que nem conheci, me vi estendendo a minha pequena mao de crianca para tambem compartilhar do rito de entrada no paraíso. Você é muito querida, uma escritora prendadíssima.
Dadi, amei este post! Essas lembranças da infância com sabores tão doces é o que as fazem tão queridas!
Renata, Valentina e Akemi, vocês são uns amores e suas palavras doces é que me encorajam a contar essas histórias todas.
Beijo enoorrrrme
Fer, Que gostoso ler o texto da tia Lair!!! Me emocionou…
Beijosssssssssssss
Wil, que bom saber que você também se lembra 🙂
Queria ver se encontrava daqueles ovinhos pintados para fotografar e contar umas histórias da época em que ela me deixava ajudar. A Marinha guardou algum?
Beijo e ótima semana!!
Fe, minha amada Dadivosa, obrigado pelo carinho com que vc guarda e escreve sobre essas lembranças; se fechar os meus olhos , ainda consigo visualizar vc largando minha mão e ia correndo para ganhar as “pitangas”. Lindas recordações. Sabe a Marinha me ligou me pedindo os tais ovinhos, eu infelizmente não guardei nenhum, mas estou providenciando para ver se consigo algumas fotos. Eu amei que a minha criança linda, virou essa dadivosa tão especial. Para mim vc continua sendo especial, muito especial.Ah eu tenho fotos de vc vendo eu dar banho no IKE, lembra o macaquinho vou te enviar também , mas Fe vc faz uma cópia e me devolve viu. Meu carinho e uma beijoka
Tide, que bom vê-la por aqui! Mandei um e-mail para você.
A quem interessar possa, a Tide é filha da tia Lair!!! 😀
;***