Amor em Penca

Cresci comendo muita banana, de tudo quanto era jeito: pura, amassadinha, com açúcar e canela, na massa de pastel, frita, no bolinho, na cuca, na torta, em sobremesa, com arroz e feijão, no sanduíche, assada, na farofa, na vitamina, cozida, na mamadeira…

Hoje me dou conta de que ela participou de minha vida, companheira e sempre disponível desde a mais tenra idade. Faz parte da cultura culinária da família e, para mim, guarda uma associação muito forte com a Vó Nair.

Alta e magra, ela tinha costumes frugais que punham em cólicas sua irmã. Tia Noêmia, que até hoje mora no interior e vai pra roça se precisar, não se conformava com aquele apetite de passarinho e não desistia nunca.
– Vai, Nááána! Mais uma xicrinha de café-com-leite…uma fatia de pão de cará com nata… mais um prato de canja… só um pedacinho de carne assada…

Quando não lograva seu intento, apelava.Certa de que a convidada não desperdiçaria comida, punha logo no prato da vó um pedação de frango, uma bisteca… logo pra ela, que não era muito de carnes.

A vó trocava qualquer bife suculento por uma banana picadinha na comida. Se tivesse arroz e feijão, então, era o manjar dos deuses!

Houve uma época em que a carne era artigo escasso no mercado. Foi lá pro final nos anos 80? Não sei bem ao certo, era pequena e não acompanhava a economia. Só sei das filas em supermercados, dos limites para se comprar determinados produtos, das pessoas falando do ágio e de uma saída gostosa e original que a mãe teve para driblar essa amofinação.

Na falta de carne e de outros tantos produtos dos quais não me lembro, ela não se fez de rogada. Num refratário, deitou arroz branquinho, pôs uma generosa camada bananas fritas, cobriu com molho feito de creme de leite, polvilhou queijo ralado, levou ao forno e pronto!

Quem não esqueceria do problema diante de uma refeição tão alegre e saborosa? Fato é que não me lembro de ter sentido falta nenhuma de carne naquelas épocas de inflação galopante e racionamento de comida. Suspeito que a mãe, que sempre teve pela sogra um amor de filha, inspirou-se na Vó Nair para fazer esse arrozinho de forno.

Não me lembro se tinha bananeira naquele quintal estreito e longo, que chegava até onde a gente não tinha coragem de ir. Mas não faltavam dúzias e dúzias da fruta na casa da vó. Não é à toa que a minha sobremesa preferida é a que ela fazia com creminho de gemas, banana frita, um toque de canela e suspiro de claras.

O sabor marcou tanto que me falta coragem para tentar a receita em casa. Mas pretendo por meus dotes à prova um dia, se as lágrimas prometerem não desonerar o creme.

Na casa da Vó Nair tinha também o doce de banana, moreninho e pedaçudo, que a gente comia com pão de milho e nata.

E tinha a cuca, cuja massa, daquelas de pão, era feita em alguidar de barro. Adorava quando a vó pedia para eu ajudar. Minha missão era descascar as bananas, cortá-las ao meio no sentido do comprimento, com uma faca cega (porque a vó sabia de meu atabalhoamento) e deixá-las pegar gosto numa bacia com açúcar e canela.

Poucos anos mais tarde, fui promovida. Aproveitando o restinho da massa que grudava na vasilha, eu já podia adicionar açúcar, manteiga, canela e mais um pouquinho de trigo para, maravilhada e com muito senso de responsabilidade culinária, transformar tudo aquilo na farofa doce que cobria a cuca.

Na linha de comidas rápidas uma criação familiar que muito me agrada é o McMacaco. A receita original leva um pão francês e uma banana. Faz-se um buraquinho no pão (pode-se ou não tirar o miolo, a gosto do freguês) e ali se coloca a banana. É pra comer assim, frio mesmo, com um cafezinho preto.

Minha variação predileta tem duas fatias de pão de sanduíche recheadas com banana, canela e uma fatia de queijo branco ou de coalho, prensadas naquelas engenhocas de se fazer misto quente na boca do fogão. Inúmeras foram as noites em que cheguei em casa tarde, exausta da faculdade e atendi às reivindicações do estômago roncante com um belo McMacaco.

E no quesito calorias-colesterol-açúcar-por-demais, a estrela é o Ba-mu, pastel recheado com banana e Mumu, depois passado em açúcar e canela. Mumu é o doce de leite que ganhou o apelido por causa do produto, num daqueles casos em que a marca consegue se tornar o nome da coisa. Se a vista não me pisca, o Ba-mu foi batizado pela tia Rosane.

É por tudo isso que, ao chegar em casa cansada e cheia de saudade, aqueci o coração com uma vitamina de banana para reviver tardes de brincadeira com os irmãos, almoços de domingo, dias de festa e dias comuns, descobertas, amizades, carinho de pai-mãe-tio-tia-vô-e-vó.

A Nina Horta cunhou uma expressão belíssima para descrever esses alimentos que nos remetem à sensação de aconchego: comida da alma. Para mim, a banana é mais até do que uma comida da alma… é um amor que dá em penca!



19 comentários em “Amor em Penca

  1. Leilah

    Nossa, q lindo…me deu um nó na garganta pq passou um filme na minha cabeça enquanto te lia…ando mto emotiva sabe….acho q é o Natal….é bom demais ter recordações assim da infância, adolescência…da familia…lindo mesmo Dadi! Bjos!

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  2. Márcia

    Dadi,
    eu adouro banana no feijão com arroz, e todo mundo q me vê comendo assim, acha que sou louuuuca…..
    kkkkkkkkkkkkkkk
    Nem gosto muito de feijão, mas com banana… hummm!!!!
    E banana frita, então? E a cartola q fazemos aqui no Nordeste?
    Ai, eu tb amo bananinhas!!!
    (Mas as minhas são todas SEM canela, tá?).
    bjos e um ótimo Natal!!!

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  3. Raul

    A ocasião faz o ladrão ou a necessidade faz a criatividade

    Na minha infância, os tempos não eram de vacas magras, pois nem pensar em carne de vaca. Isso só em alguns fins de semana, onde também muito raro, aparecia uma garrafa de refrigerante. Isso quer dizer que alguns pratos iam direto do quintal para a mesa: verduras, ovos (muuuitos) e banana. Ô frutinha boa, meu Deus! Cortadinha com feijão farinha e… ovo; cozida na água e sal; assada na beira do fogão de lenha (saudades da casa do meu vô). Até hoje faz parte do meu café da manhã: frita, com açúca – ou mel – e canela, queijo derretido por cima ; tudo entre duas ou três fatias de pão integral, regado com um copão de Toddy. Uau!

    Ps.: Que bom que vc descobriu a manga. Eu até hoje não consigo encontrar graça em mamão, melão e melancia.

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  4. Maria Helena

    oi Dadi queridinha e “comentadoras” não menos queridinhas

    Amo banana de todo jeito tbm, aqui em casa, no interiorrrrr o McMacaco era bem comum mesmo antigamente. Claro, amo doce de banana de vó (o meu nunca ficou nem parecido), banana frita com açúcar e canela e a bananinha com arroz feijão … é tudo!!

    ai ai… esse post encheu-me os olhos d’água.

    Beijocas

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  5. BABI

    Mass… quanta lembrança boaaaa
    estou muito nostálgica nestes dias.. ando pensando muito na Vó Nair e sinto muita falta dessa vózinha tão querida.
    lembrei de umas:
    O McMacaco também tinha a variante X-Mico
    Banana frita com pão de milho e nata
    Bolinho de banana que a Dona Estela fazia que morríamos de vontade de comer pelo cheirinho que se espalhava na vizinhança
    A babana frita também era um artigo que nunca faltava na casa da tia Regina… lembro que no quintal dela tinha uma bananeira
    Banana picadinha em tudo que era comida… o Babu também adora!
    enfim.. uma penca de lembranças..
    beijos mana :**

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  6. Cíntia Teixeira

    Nossa, nunca me identifiquei tanto com um texto… sua sobremesa preferida, e que te põe em lágrimas, é chamada pela minha família de Chico Balanceado (não sei a razão do nome). Amo de paixão, e só a mãe faz daquele jeitinho especial, com algumas variações da sua receita. E o Mc Macaco… ah, o McMacaco… desde pequenina eu sou adepta do bom pãozinho francês já molinho com uma bananinha (totalmente crua ou cozidinha rapidamente no microondas, com um açúcarzinho em cima). Sem contar os bolinhos de chuva com bananinha amassadinha na massa, e na inovação, pra mim uma descoberta-escândalo – a mãe do meu namorado faz deliciosos bolinhos de arroz – com banana! Dos deuses… pela sua paixão por bananas poderia dizer que vc tem fortíssimas ligações com o sul catarinense, todos loucos de paixão pela fruta que dá em pencas… beijão, adorei o texto, como sempre!

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  7. Lunalestrie

    Dadi, que meigo! Pra mim a banana também tem um quê de conforto, acho até que é minha fruta preferida, pois não tem a acidez de que fujo das frutas em geral. Agora ri muito foi do McMacaco! Nunca tinha ouvido falar de sanduíche de banana – essa idéia não subiu pra cá pro Nordeste(rs)!!

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  8. Yuli

    Eu também adoro BANANA !!!

    Sempre gostei do McMacaco, mas o que mais gostava (ainda gosto) era de comer banana com arroz e feijão.

    Ao ingresar na universidade comecei a almoçar no tão famoso Restaurante Universitário (RU). O cardápio não variava muito, eram aqueles bandejões prontos… sempre tinha uma sobremesa (às vezes uma fruta, às vezes pudim ou gelatina).
    Sempre que tinha Banana eu a comia junto com a comida, enquanto os outros a saboreavam como sobremesa após a digna refeição.

    Gostava sobretudo quando tinha carne moída (Boi Ralado como chamam por aqui), e sempre dizia pra tia do RU: “Hoje que tem carne moída a sobremese deveria ser Banana e não maçã!”.
    De tanto reclamar a Tia do RU se sensibilizou com minha causa, cheguei lá pra almoçar, tinha maçã de sobremesa, mas ela havia guardado uma Banana pra mim 🙂

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  9. leila

    Ô Dadi, que lindo tudo isso que você conta 🙂
    Minha mãe também fazia esse doce com creme e suspiro. Ela cozinhava e bordava maravilhas 🙂 agora está no céu.

    Sabe aquelas casas, geralmente mais antigas e muito grandes, onde o primeiro andar é comércio e o segundo residencial? poie é, moro no segundo andar e o primeiro é de…….. um distribuidor de bananas! tem caixas e caixas de todos os tipos de banana, tudo muito organizado e limpo, é um entra e sai de caminhões carregados.
    Hoje ganhei do dono desse bananal um cacho de bananas da terra. Vou fritar.

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  10. Teca

    L I N D O ! Uma cronica digna de primeira página de qualquer jornal. Com amor e saudade em cada linha, palavra, e letra. Me trouxe lindas lembranças.Obrigada e Feliz Natal.

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  11. sonianovaes

    Dadi

    Estive em Minas há uns 15 dias e aprendi a fazer uma farofinha de banana divina…nunca havia comido…amei…
    Quando eu era pequena…todo domingo minha mãe fazia manézinho araujo, uma sobremesa de banana que faço tb até hoje…comida com banana então sou apaixonada…
    Parabéns pelo texto e feliz 2007…
    Beijos
    Sonia novaes

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  12. Pingback: Dadivosa » Meu Pequeno Almoço

  13. nayara

    Ola…
    gostaria de saber como eh feito a banana frita em caldas, todos comentam que eh uma delicia…
    se poder me enviar a receita agradeceria
    um forte abraço
    =====================

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  14. Mario Teixeira

    Dadivosa, pela primeira vez venho em seu cantinho,
    A partir de uma busca sobre chico balanceado, e por estes desígnios de Deus acessei ao seu cantinho, embora tenha recebido váriso sites onde se fala de Chico.
    Adorei todo o teu comentário e confesso que revivi, muitos momentos legais de minha infência.
    Agradecido, por tudo.

    Deus cuide de você..

    Mario

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