De Torradeiras e Memórias

Foto: Toaster Museum

Foto: Toaster Museum

Torradeiras me lembram a Dona Gerda. Ela usava um exemplar de linhas retas, bege, onde cabiam confortavelmente seis metades de pão francês (nem por nada consigo me lembrar da marca, adoraria encontrá-la novamente, mesmo que numa foto).  Caso algum conviva desejasse uma torrada mal-passada, podia resgatá-la antes dela pular usando uma pinça que mais parecia dois garfos, com três dentes cada, entrelaçados feito namorados.

Os lanches e cafés-da-manhã eram sempre sortidos na casa da Dona Gerda. Sortidos e perfumados pela fumacinha do mais tradicional pão de padaria tostado na hora. Sobre ele, manteiga com geléia caseira, manteiga com frios, manteiga com picles, ou uma delícia mezzo-carboidrato-com colesterol, mezzo-natureba que só vi por lá: manteiga com gersal.

Para um protótipo de apaixonada por cozinha, aquele lar era um festival de estímulos variados e deliciosos. Tinha o moderno, o tradicional, o quase-junk-food e o natural, tudo harmonizado numa combinação única, ‘irrepetível’ e inesquecívelmente querida.

Foi lá que vi o primeiro microondas, que mais parecia um rádio antigo. Foi lá que percebi, maravilhada, que as estações do ano podiam ser marcadas pelas frutas de época que viravam geléia caseira. Foi lá também que comi as primeiras comidas mineiras, vi os primeiros calendários de Natal feitos de chocolate e vindos da Alemanha e tive medo do poder duma faca elétrica da qual nem chegava muito perto.

Na hora de ajudar a pôr a mesa do café ou do lanche na casa da Dona Gerda,  prontificava-me a levar os pratos e talheres, a cestinha de geléias, a manteiga, o gersal, os guardanapos de pano com suas argolinhas de madeira, o leite pelando e a enorme jarra de chá mate gelado. Só não me atrevia a cortar os pães com aquela faca massacrante, tudo menos isso! Mas arrumar os pães já cortados na cesta eu arrumava.

Eles não duravam muito tempo, não. De seis e seis metades, eram mergulhados na grade da imponente torradeira, que trabalhava por horas a fio, incansável e resignada, para gravar para sempre um perfume inconfundível na memória afetivo-gastronômica de todos que tiveram o privilégio de freqüentar aquela casa.

Estivesse ainda por aqui, convidaria Dona Gerda a colaborar com o Dadivosa. Mulher moderna à moda antiga que era, seria bem capaz ela mesma de criar seu próprio blog de comida. Tiraria de letra os meandros da internet, espalharia suas dádivas por aí e inspiraria um montão de leitoras e leitores com suas receitas e originalíssimas, cheias de tecnologia, praticidade, tradição e encanto.

Foto: Toaster Museum

Lembrei muito dela ao descobrir o Toaster Museum, que tem dos exemplares mais fofinhos, como este de porcelana pintada (que tem a cara da Casa da Chris), aos mais futuristas, de formatos diferentes, de madeira, cromados, de pé, deitadas e com cara de nave espacial. Ao passear pelas fotos, passeio também por minhas memórias e arrisco imaginar as histórias de lanches e cafés-da-manhã perfumados que essas torradeiras poderiam contar.



16 comentários em “De Torradeiras e Memórias

  1. Glaucia Maria Gripp

    Querida Dadivosa, permita-me dizer-lhe que dádiva é poder abrir seu
    blog e ler coisas lindas e memórias tão singelas como estas com as quais
    nos presenteia…! tenho “donas Gerdas”, “donas Maria Italianas” e outras
    “donas” em minhas memórias da infância e adolescência…! Beijos de luz.
    Glaucia.

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  2. Babo

    Hoje pela manhã ao ler este texto, lembrei mais do que nunca, da nossa querida Gerda.Realmente a casa dela era uma espécie assim de: meio- alemã, meio -brasileira e muito Gerdiana, quase uma fábula.Lembrei também do frango com quiabo e o arroz na panela de pedra.Tempo bom, que como você diz tivemos o privilégio de curtir.
    Beijos com saudades.
    Mãe e Babo.

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  3. Babo

    Querida Dadi
    Que doce lembrança! Adjetivá-la, é, quem sabe, chamá-la simplesmente: Gerda. Que Mulher! Um grande beijo do Babo

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  4. Dadivosa

    Queridas Leitoras, Babbo e Mãe
    Essas memórias estavam implorando para sair da minha cachola, é uma delícia saber que encontraram ressonância em vocês.
    Um beijo grande,
    Dadivosa

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  5. andrea

    Eu queria ter conhecido a Dona Gerda, ah se queria.
    E falando em frutas da época virando geléia caseira este ano ainda não achei morangos para geléia. No ano passado fiz 8 potes !

    bjs

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  6. Babi

    Nega, quantas lembranças…
    ela era uma Dadivosa de mãos cheias.
    lembro bem da torradeira e da faca elétrica – eu morria de medo da faca. Das geléias dela lembro da de uva, acho que foi a primeira vez que vi geléia de uva com pedaços da fruta foi na casa dela…
    Tudo na casa dela era muito diferente. Ela era muito moderna.
    lembrei do tempo que eles moravam no apartamento lá pertinho da pracinha dos bombeiros, e ela comprava saquinhos de Q-Suco de sabores diferentes para fazer massinha de modelar com trigo para que eu e a Iuly nos divertissemos.
    O Bolo de formiguinha a lembrança que tenho é da casa dela.
    que delicia… que tempo gostoso! que saudades dela!
    bjs bjs

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  7. Babi

    Nega, quantas lembranças…
    ela era uma Dadivosa de mãos cheias.
    lembro bem da torradeira e da faca elétrica – eu morria de medo da faca. Das geléias dela lembro da de uva, acho que foi a primeira vez que vi geléia de uva com pedaços da fruta foi na casa dela…
    Tudo na casa dela era muito diferente. Ela era muito moderna.
    lembrei do tempo que eles moravam no apartamento lá pertinho da pracinha dos bombeiros, e ela comprava saquinhos de Q-Suco de sabores diferentes para fazer massinha de modelar com trigo para que eu e a Iuly nos divertissemos, aquilo tinha um cheirinho característico.
    O Bolo de formiguinha a lembrança que tenho é da casa dela.
    que delicia… que tempo gostoso! que saudades dela!
    bjs bjs

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  8. ludmila

    Dadivosa, seus textos também me fazem viajar… parece até que estive na casa da D. Gerda e me deliciei com esses quitutes maravilhosos!

    um beijo pra vc e para a D. Gerda (aonde quer que ela esteja!)

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  9. Leilah

    Nossa, pude até sentir o aroma desse café da tarde!
    É incrível como você nos transporta num mundo tão prazeroso.
    Gostei da D. Gerda mesmo sem conhecê-la!
    Um beijo carinhoso!

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